quarta-feira, 29 de junho de 2016

Marc Bloch




Marc Bloch foi um historiador francês, medievalista, que contribuiu para o entendimento de uma nova forma de entender e produzir história. Co-fundador da escola estética dos Annales, escola que tinha como principal objetivo romper com a noção de História dos grandes fatos e dos grandes homens, herança do século anterior, visando assim um estudo mais do indivíduo e da sociedade.
Bloch, durante a juventude, lutou na primeira guerra mundial e, quando mais velho, foi soldado francês durante a segunda guerra onde, mesmo com a rendição francesa, participou ativamente em movimentos de resistência na França de Vichy. Foi durante a resistência que ele escreveu um dos seus mais célebres livros (publicado após sua morte) Apologia da História ou o Ofício do Historiador. O livro é incompleto ainda que repleto de excelentes transições e pensamentos do autor, uma vez que este foi capturado pela Gestapo e fuzilado em 1944 com então 57 anos. A apologia da História se centrou em uma questão feita por seu filho e que é bastante pertinente e de difícil resposta: o que é a história?

Discutiremos aqui o primeiro capítulo da obra chamada “A história, os homens e o tempo”

Marc Bloch inicia nos dizendo algo que é uma constatação verdadeira. Desde que surgiu, há dois milênios atrás, a palavra história mudou muito de conceitos o que nos traz um grande problema em uma conceituação definitiva. Isso não é exclusivo da história, nem das ciências humanas, mas de todas as ciências em si, o ser humano tem o costume de não alterar o vocabulário ao mudar um conceito e nem há tempo para se perder com isso. Dessa forma a física de Lord Kelvin ou de Langevin não é a mesma física trabalhada por Aristóteles e, da mesma forma, a História trabalhada por Heródoto e Tucídides é diferente da trabalhada no século 18 e 19, e estas, por sua vez, da dos dias atuais.

Uma possível resposta para “O que é História? ”, e a mais comum de ouvirmos, é que se trata da ciência do passado, o estudo do passado. Para Marc Bloch tal ideia é um tanto quanto errada. O passado é muito amplo, quase que infinito assim como compreender o presente em sua totalidade é algo hercúleo, o historiador não está interessado em qualquer coisa que ocorreu no passado. Tal associação da palavra história como estudo do passado se agravou de tal forma que ela começa a absorver um status de sinônimo de tal temporalidade, História com significado de passado. Por outro lado, percebemos que o passado está muito mais presente como um instrumento do que um objeto de estudo (analogia de um outro historiador, não de Bloc, acho que de Keith Jenkins), ou seja, o béquer ou tubo de ensaio do historiador, onde não se resume seu trabalho. Marc Bloch não usa essa analogia mas deixa ela evidente quando cita que existe um passado das erupções vulcânicas e um passado do sistema solar. Ambos não são de interesse histórico, mas demonstram que o passado é um mero instrumento usado por geólogos, astrônomos, físicos e historiadores. Qual seria então o passado estudado pelos historiadores, o objeto do qual esse instrumento é aplicado, a história dos historiadores?

Marc Bloch nos dá um belo exemplo sobre o Golfo de Zwin que assoreou com o passar dos anos desde o século 10. Porém, darei aqui um outro exemplo. Uma das principais hipóteses para o fim da Idade Média está atrelada a chamada alteração do microclima da Europa que originou um largo período de secas sucessivas, talvez a principal causa da Grande Fome Feudal que por sua vez levou camponeses abandonarem a vida no campo os se rebelarem contra seus senhores. Perceba aqui duas vertentes que nos mostram formas diferentes de analisar o fenômeno: a primeira o estudo do microclima, do desmatamento, alteração da vegetação entre demais outros, a segunda forma está como tais fenômenos influenciaram e foram influenciados pelo homem. Com qual motivo este avançou sobre tais matas? Inovação tecnológica? Podendo agora trabalhar melhor terras mais inférteis? Crescimento da produção de alimentos para aplacar a anterior crise de alimentos ocorrida no feudalismo? Note que a diferença entre a primeira e a segunda é que o homem surge e é a segunda a História que os Historiadores trabalham. Por tanto o objeto de estudo do historiador são os homens.

“O bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça. ”

Isso nos leva a outro debate que moveu toda uma corrente de historiadores a diversas discussões durante o século 19 quanto a transformação da História em uma Ciência e não um conhecimento conjunto, fragmentado, entre as demais ciências sociais (como sociólogos, Filósofos e economistas que trabalhavam a história, mas não tinham ela como sal formação). É um debate encerrado, mas que traz até hoje um certo preconceito quanto as ciências humanas perante as biológicas e sociais. Será mesmo a história uma Ciência? Para Marc Bloch, História é uma ciência com uma linguagem particular, diferente das linguagens das ciências exatas e biológicas, ela se adapta ao objeto de estudo e por isso é diferente.

“ Não há menos beleza numa equação exata do que numa frase correta. Mas cada ciência tem sua estética de linguagem, que lhe é própria. ”

Marc Bloch por fim cria sua célebre frase. A História é não só o estudo dos homens, mas sim deste no tempo. O estudo dos homens no tempo. Tempo no sentido de duração, mas não estudado como a física ou química, uma realidade concreta e viva, uma medida. Para a história o tempo é o plasma onde se insere os fenômenos a serem observados e também o local de compreensão.

O ídolo das Origens

Trata-se da busca pelas origens como esta fosse a fonte para explicação. A origem que Marc Bloch dialoga possui dois sentidos, o primeiro é de começo e que aborda um tema de debates pois determinar um começo é um trabalho difícil (qual o começo do feudalismo? Uns dirão em Roma, outros na invasão Bárbara) o segundo sentido diz quanto a causa. O problema que Bloch levanta quanto ao uso da idolatria das origens está em tomar como as origens como um começo que explica, satisfatoriamente, o fenômeno a ser estudado. Uma prática que se tem início durante o Século 18 e se estende por parte do século 19. A crítica de Marc Bloch quanto a idolatria da busca pelas origens está compreendida em duas partes:

1- O ídolo das origens abre espaço para a prática de julgamentos do passado. O passado é constantemente empregado para explicar o presente, seja para melhor justifica-lo ou para condená-lo. Para Bloch a História não deve julgar o passado mas procurar compreendê-lo e alça-lo de uma explicação.
2- A origem por si só não é suficiente para explicar um fenômeno histórico. A manutenção do fenômeno, como ele se mantém, é onde reside em boa parte a explicação dele. Compreender que jesus foi crucificado não nos explica como que o cristianismo chegou no patamar de hoje, precisamos compreender como ele se difundiu e se manteve através das eras.

“O carvalho nasce da glande. Mas carvalho se torna e permanece apenas ao encontrar condições de ambiente favoráveis, as quais não resultam da embriologia. ”

Marc Bloch



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