quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

História da Literatura Brasileira (Século XVIII)




O Crescimento Literário

O início do século XVIII e seu escoar de eventos importantíssimos é notável em praticamente todas as localidades do mundo Ocidental. Dentro da Europa temos mudanças políticas, religiosas e filosóficas muito profundas. América do Norte não foge do termo político, em sua independência, fora a atividade local de seus habitantes que conquistou uma junção entre as novas modalidades filosóficas com o tradicionalismo moral e religioso.

Com o Brasil também não foi tão diferente. Obtêm-se, como noutro contexto, sólidas personificações literárias e nacionais que já foram alvorecidas no século anterior, aglomerada em inovações intelectuais decorridas da Corte Portuguesa que ao longo da prática brilhou em aperfeiçoamento. Mudanças, estas, que também evidenciam de que a Literatura brasileira, enfim, começava a enunciar a própria alma do indivíduo, sua mentalidade, sua visão de mundo. Para podermos determinar tal evolução, vale enunciar à prioristicamente uma divisão de duas metades nesse século em questão; O primeiro momento entre 1700 até 1750 e o segundo entre 1750 até 1830.

O Primeiro Momento

O primeiro momento está marcado por uma série de episódios econômicos, sociais e políticos em que sua expressão para o todo social entra em complicações; dentro delas, pode-se perceber uma altíssima relevância que os escritores optaram a realçar. Diferentemente dos séculos anteriores, no qual apenas cronistas, pregadores e poetas exteriorizavam literariamente, agora se têm uma concentração maior em outra modalidade de suas atividades; os estadistas e historiadores propriamente ditos entraram em cena.

Com isso, há uma formação de sociedades literárias e tradições intelectuais que já não são bem as mesmas que produziram seus antecessores; o que, não se pode pensar, que o gongorismo (excesso de ornatos e com linguagem rebuscada, obscura) deixou de existir. Na região da Bahia, por exemplo, permaneceu-se tal estilo ao mesmo tempo em que agravou versejadores latinos, dramatistas, historiadores, etc, sem esquecer, também, que o sentimento nacional – ou o amor à pátria – foram uma das características da tradição intelectual que fora aproveitada e aprofundada no Nordeste. E através de novas academias, o anseio de crescimento vigorava – às vezes sem sucesso e reconhecimento externo.

A Academia dos Esquecidos foi uma das primeiras que lograram a tentativa de desenvolvimento. O próprio nome, “esquecido”, vem do propósito de lembrar à Metrópole, em cujas arcádias não tiveram entrada, que havia ali quem se interessasse pelas “coisas do espírito”.

Não tão esquecida quanto parece afinal que os críticos foram muito rígidos depositando uma atenção notável, é verdade. Não obstante é preciso relevar algumas coisas. As documentações sobre a Academia dos Esquecidos são de difícil acesso. Dos pouquíssimos escritos sobrados, a maioria é fútil e que realmente compromete o talento e o gosto dos escritores daquele tempo. Assim como Silvio Romero lembra:

                  “A academia dos Esquecidos da Bahia, a dos Felizes do Rio (de Janeiro), e mais tarde a dos Seletos (também do Rio), a dos Renascidos (Bahia) e a Arcádia Ultramarina (Rio), são denunciadoras de muita vivacidade intelectual, muito desejo de aprender e trabalhar, por parte dos colonos brasileiros [...] E se é certo que os seus escritos não podem ser citados como prova de alto aproveitamento, o que então se praticava na metrópole não era de muito melhor quilate, e isto é o principal”. (p. 386).

José Veríssimo escreveu, em História da Literatura Brasileira que “apesar da origem oficial, e de ser um arremedo, havia porventura nelas um sentimento de emulação com a Metrópole, e, portanto um primeiro e leve sintoma de espírito local de independência” – apesar de que, naquela época, ainda não se falasse em independência. Fundada em 1724, a Academia dos Esquecidos sob o patrocínio do 1° Conde de Sabugosa, Vasco César de Meneses, pertenceram aos principais escritores da época, como Sebastião da Rocha Pita, João Mendes da Silva (pai de Antônio José) e os irmãos Gusmão (Bartolomeu Lourenço Gusmão e Alexandre de Gusmão). A academia reuniu-se pela última vez em fevereiro de 1725.

Rocha Pita, nascido em 1660, na Bahia, formou-se em cânones pela Universidade de Coimbra. Ao voltar para a terra de nascença, tem como prioridade tomar por matéria geral dos seus estudos a história brasileira, resultando numa obra chamada “História da América Portuguesa”. Toda influenciada pelas aspirações da Academia dos Esquecidos. A importância historiográfica e literária dessa obra, não se dá somente pela estrutura da escrita ou o tempo em que foi publicada – a última como critérios históricos. Mas, também, através do livro de Rocha Pita pode-se perceber um grande afeto com a terra natal, mesmo sabendo que a obra, razoavelmente, demonstra uma fidelidade à Metrópole. Daí, sua visão nacional e patriótica aflorava-se, mesmo que minimamente. Pequenos trechos apresentam isso:

                  “Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios mais dourados, nem os reflexos noturnos nos mais brilhantes; as estrelas são as mais benignas e se mostram sempre alegres; os horizontes, ou nasça sol ou se sepulte, estão sempre claros [...] é enfim o Brasil terreal Paraíso descoberto [...]” (Rocha Pita, História da América Portuguesa).

Por muitos cantos esse trecho é citado. E com inteira razão. Afinal, tal sentença, evidencia claramente o intuito patriótico do livro. O estilo de Pita, como forma historiográfica, é bem inusitada – até mesmo para este século. As quantidades de hipérboles, otimismos, focadas em realçar literariamente a beleza das terras brasileiras e de sua nação são de certa forma exageradas. O que, por sua vez, não invalida as descrições recheadas – num sentido estritamente formal – que os historiadores usualmente realizam. Entretanto, ao elaborar poesias, deixou muitos defeitos, perante o que vemos nas documentações. A quantidade de antíteses, amplificações, tropos inchados e de prolixidades segundo alguns críticos “são insuportáveis”.

Em todo o caso, nas enumerações das grandezas brasileiras, o velho Rocha Pita somente foi ultrapassado tempos depois, pelo seu subsequente Gilberto Freyre (nos artigos seguintes, Freyre será muito mais pontuado pela sua grande importância). Deu-se influência, mesmo que indiretamente e em baixa escala, aos românticos que surgirão depois.

Posteriormente, em 1705, nasce Antônio José da Silva – provavelmente o maior antagônico encarnado do velho José Anchieta. A importância desse escritor, nesses primeiros momentos, foi de grande porte. Os três elementos que nos faz pensar em pontuá-lo dessa forma; é a sua naturalidade, a família que inoculou na alma o sentimento patriótico e a natureza de seu lirismo totalmente original. Mesmo sendo “acusado de Judaísmo” e obtendo problemas até mesmo de circulação pública, o Santo Ofício em torno de 1727 a 1737 deixou-o minimamente liberto. Nesse curto espaço de tempo, apenas conseguiu escrever comédias.

Em ter uma vida difícil, até de locomoção própria, nada impediu que Antônio José fosse um dos escritores mais estudados subsequentemente. O historiador Varnhagen, por exemplo, escreveu uma biografia do escritor, sem fazer nenhuma análise profunda, pois realçava o fato do poeta ter estudado obras de Metastásio, Molière e Ratrou sendo, como fato, “o suficiente para ser relatado”. Teófilo Braga e Ferdinand Wolf – mais dois exemplos – julgam o poeta em relação ao seu tempo. Nesses critérios, enxergam em Antônio José, uma espécie de “utopia que aconteceu”, pois, na época não havia opinião pública que pudesse penetrar num palanque para tal poeta e que, no entanto, alcançou sucesso utilizando uma linguagem informal, chula e com locuções pejorativas do idioma português. Até mesmo Machado de Assis insistiu em relembrar as imitações de Molière, feitas pelo poeta.

Destarte, não foram propriamente a faculdade de falar “asneiras” que se pode ligar o sentimento nacional com a individualidade e o campo de visão do Antônio José. O que foi capaz de conectar sua expressão nacional se trata do lirismo naturalista que o poeta conseguiu aprofundar e aperfeiçoar quase que incansavelmente por toda a sua vida. Vejamos um exemplo do puro lirismo de Antônio José:

                         “Em ti mesma considero
                         De meus males o motivo,
                         Por ti morro, por ti vivo.
                         Tu me matas, tu me alentas,
                         E contigo está meu bem...

                         Deixa, pois, que triste viva
                         Quem alegre busca a morte,
                         E verás que dessa sorte
                         Essa vida me horroriza,
                         E esta morte me convém!”.

Com isso há de pontuar uma breve reflexão. Os dois grandes personagens citados acima não são de estrita forma, meros escritores que apenas impulsionaram a apreciação pela nação. Mas, é exatamente por isso que seus ângulos de visões estavam mais aproximados daquela realidade que buscavam talvez uma espécie de verdade nacional. Nada mais do que uma solene forma de conhecer a si mesmo, para compreender o seu redor.

Vemos o primeiro momento, portanto, como uma espécie de formação mais concreta daquilo que o século anterior deu início. O crescimento literário, sentimento nacional, a expressão cativante da natureza brasileira e o enfim compartilhamento de suas próprias visões de mundo faz de Antônio José, Rocha Pita e muitos outros como Alexandre e Bartolomeu Gusmão, como os principais escritores que deram um engrandecimento ainda maior na Literatura e em todas as áreas da Escrita no Brasil.

Terminamos, aqui, aquilo que poderíamos chamar de “período colonial” (lembremos de que não se trata do termo “colônia” propriamente dita, mas apenas uma forma de guiarmo-nos para uma compreensão mais exata daquela realidade), e, enfim, o período “nacional” – altamente fortalecido pelo seu precedente nativista – surge junto com o Segundo Momento.

O Segundo Momento

Esse novo período se estende desde 1750 a 1830 – no qual aqui será pontuado somente até 1800 e posteriormente concluindo em outros artigos. historiadores da literatura acabam cometendo – em pensar a Literatura somente nas regiões nordestinas durante dois séculos e meio e em seguida esquecer-se dela a partir da Academia dos Renascidos. Tanto que, já ressaltado em artigos anteriores, há uma quantidade notável de escritores, poetas e cronistas nas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, praticamente desde o início da colônia.

Em todo o caso, há um vislumbre maior na mais antiga academia do Rio, a “dos Felizes” que, por consequências semelhantes a dos Esquecidos, fechou-se com apenas quatro anos de funcionamento. Sua subsequente, no quesito de substituição, surge em 1752, a dos Seletos, e last but not least’ a “Sociedade Literária”, fundada em 1786 por Silva Alvarenga. A Arcádia Ultramarina ainda é muito citada, mas sem documentações o suficiente para poder ser catalogada aqui (alguns dizem que a Sociedade Literária era a própria Arcádia Ultramarina. Suplico para que algum historiador interessado na história da literatura, especialmente sobre a Sociedade Literária, investigue isso).

A Sociedade Literária, sob patrocínio do vice-rei Luiz de Vasconcelos, foi dissolvida pelo sucessor, conde de Resende, que, escarmentado com os sucessos recentes da Inconfidência, viu naquela reunião de literatos desígnios de insubmissão. Praticamente todas as academias citadas preservam o estilo gongórico, assim como Alberto Lamego diz em sua obra Academia Brasílica dos Renascidos:

                      “[...] Espírito gongórico, que se comprazia em torneios fúteis, como o de saber qual a empresa de maior glória: celebrar Lisboa a conservação da vida de el-rei nosso Senhor na sua presença ou celebrara a Baía na sua ausência?”

Apesar de ferrenhas críticas, o segundo momento baseia-se em crescimentos e desenvolvimentos tão autônomos que até o momento nunca havia se visto algo parecido antes. Os melhores poetas (os épicos) do tempo, constituem-se na grande Escola Mineira. E esta é a grande evolução do tempo, algo que até mesmo pelos seus aspectos interiores e sociais podem e devem ser compreendidos como autossuficientes. Silvio Romero a coloca como “mais importante do que a própria Escola Baiana do século anterior”.

A respeito da Escola Mineira há uma prevalência de importância ainda maior entre 1800 – 1810, mesmo possuindo em sua essência boa parte dos conteúdos em torno de 1760 – 1790 e, por essa razão, merecidíssima de uma atenção maior, será preciso continuar no próximo artigo até como precedentes daquilo que surgiu depois.


Por: Lucas Emmanuel Plaça

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